sábado, 28 de setembro de 2013

A CURVA DO DESEJO
por Adrilles Jorge

Padrão de beleza varia. E muda o padrão do desejo. E o padrão do desejo dita o padrão de beleza. E quem dita o padrão do desejo? É curioso que o padrão semi-anoréxico de beleza feminina hoje em dia seja ditado por estilistas que não têm exatamente um padrão de desejo voltado para as mulheres, por tradição cultural, se é que me entendem. Elimina-se a curva feminina. Transformam os copos femininos em verdadeiras tábuas, retilíneas, esquálidas e insubstanciais. Ora, o que define, o que sempre definiu a beleza de uma mulher do ponto de vista físico -- e até metafísico -- é a curva, a nuança das ambiguidades latentes não só de seu corpo, mas de sua personalidade, a sinuosidade da opulência de sua anatomia e de sua condição; o que sempre excitou e ainda excita em uma mulher é o mapa barroco de suas tangentes.

Então por que diabos esta apologia inversa à perda das curvas como pressuposto de elegância, ditada justamente por quem assumidamente não sabe exatamente o que é desejar uma mulher? Sem nenhum preconceito, apenas um conceito concreto: o desejo dos tais estilistas que ditam a moda talvez possa subrepticiamente expressar uma inveja subliminar do corpo feminino e enquadrá-lo nos moldes de um corpo de um rapazinho, por assim dizer. Mas o que mais impressiona é a adequação, a sujeição da maioria das mulheres e da maior parte da sociedade a este padrão anoréxico que vai contra exatamente toda a origem do desejo. Neurologicamente falando, os atributos físicos que provocam e incitam o desejo masculino por uma mulher são justamente a anatomia potencial de uma boa mãe em potencial, por assim dizer: os seios fartos que amamentam, os quadris largos e glúteos fartos de uma boa "parideira". A curva metafórica que desvia o olhar masculino para uma deleitável perdição é também uma curva que explica o desejo de perpetuação da espécie. O desejo tem sua base instintiva, básica, primária, explicada pela ciência mesma, como o desejo de reprodução e da escolha dos melhores meios, corpos e personalidades para seu fim e sua melhoria. E o desejo deve, claro, ser sempre livre, para que a sua diversidade crie justamente a diversidade que incide na melhoria das novas gerações.

Evidente que a natureza humana tem o potencial de readequar e reinventar o desejo, subvertendo ou mesmo invertendo a si mesmo. No Egito antigo, por exemplo, mulheres andavam com os seios desnudos e os pés cobertos, porque eram os pés que incitavam a luxúria e ninguém dava muita bola para os seios efetivamente. O padrão de desejo sempre obedece, pois, não só a uma pulsão natural como a uma pulsão construída culturalmente. Há até mesmo uma certa pulsão de morte que nos leva a desejar aquilo que nos destrói (mas esta é outra história...). Mas o que pode ser celebrado como a liberdade para diferenciação do desejo foi hoje subvertido, invertido para a anulação do desejo primário, adequando a fórceps o foco de desejo (masculino e feminino) a um corpo magro e faminto. Até mesmo a expressão das modelos de passarela sugere uma fome atávica, uma raiva incontida que as proíbe de sorrir, como se fossem anuladas, proibidas de se alegrarem com o desejo eventual que elas possam provocar em quem as observa.

Em contraposição ao fascismo da esqualidês deste mundo da moda, surge aqui e acolá algum movimento, como o apelo por uma moda destinada a mulheres reais ou mesmo indústria de moda Plus Size. Mas até no nome, a coisa se afigura um tanto suspeita. Por que manequins acima de 44 devem ser chamadas de "Plus size" e manequins abaixo de 38 não são chamadas de "less size"? Até nas definições, apologia da magreza está incrustada. (E onde estão representadas as mulheres de manequim 38 a 42, que não se enquadram em Plus nem no inexistente less size?)

Não se trata de eleger um padrão fixo de corpo ou modelo referencial que norteie o desejo humano. Mas percebe-se intimamente que o desejo de alguns referenciam o desejo de muitos; e que muitas vezes, o desejo de alguns vai contra o padrão instintivo mesmo do desejo humano, e que estes alguns, inconscientemente ou não, querem anular o desejo de muitos, modelando o desejo padrão a uma inversão. O desejo é livre, mas muitas vezes, os modismos aprisionam desejos e intenções.

Adrilles Jorge

Imagem: Jane Mansfield e a Vênus de Milo, por Marilyn Silverstone, Paris, Museu do Louvre, 1956.

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