A CURVA DO DESEJO
por Adrilles Jorge
Padrão de beleza varia. E muda o padrão do desejo. E o padrão do desejo
dita o padrão de beleza. E quem dita o padrão do desejo? É curioso que o
padrão semi-anoréxico de beleza feminina hoje em dia seja ditado por
estilistas que não têm exatamente um padrão de desejo voltado para as
mulheres, por tradição cultural, se é que me entendem. Elimina-se a
curva feminina. Transformam os copos
femininos em verdadeiras tábuas, retilíneas, esquálidas e
insubstanciais. Ora, o que define, o que sempre definiu a beleza de uma
mulher do ponto de vista físico -- e até metafísico -- é a curva, a
nuança das ambiguidades latentes não só de seu corpo, mas de sua
personalidade, a sinuosidade da opulência de sua anatomia e de sua
condição; o que sempre excitou e ainda excita em uma mulher é o mapa
barroco de suas tangentes.
Então por que diabos esta apologia
inversa à perda das curvas como pressuposto de elegância, ditada
justamente por quem assumidamente não sabe exatamente o que é desejar
uma mulher? Sem nenhum preconceito, apenas um conceito concreto: o
desejo dos tais estilistas que ditam a moda talvez possa
subrepticiamente expressar uma inveja subliminar do corpo feminino e
enquadrá-lo nos moldes de um corpo de um rapazinho, por assim dizer. Mas
o que mais impressiona é a adequação, a sujeição da maioria das
mulheres e da maior parte da sociedade a este padrão anoréxico que vai
contra exatamente toda a origem do desejo. Neurologicamente falando, os
atributos físicos que provocam e incitam o desejo masculino por uma
mulher são justamente a anatomia potencial de uma boa mãe em potencial,
por assim dizer: os seios fartos que amamentam, os quadris largos e
glúteos fartos de uma boa "parideira". A curva metafórica que desvia o
olhar masculino para uma deleitável perdição é também uma curva que
explica o desejo de perpetuação da espécie. O desejo tem sua base
instintiva, básica, primária, explicada pela ciência mesma, como o
desejo de reprodução e da escolha dos melhores meios, corpos e
personalidades para seu fim e sua melhoria. E o desejo deve, claro, ser
sempre livre, para que a sua diversidade crie justamente a diversidade
que incide na melhoria das novas gerações.
Evidente que a
natureza humana tem o potencial de readequar e reinventar o desejo,
subvertendo ou mesmo invertendo a si mesmo. No Egito antigo, por
exemplo, mulheres andavam com os seios desnudos e os pés cobertos,
porque eram os pés que incitavam a luxúria e ninguém dava muita bola
para os seios efetivamente. O padrão de desejo sempre obedece, pois, não
só a uma pulsão natural como a uma pulsão construída culturalmente. Há
até mesmo uma certa pulsão de morte que nos leva a desejar aquilo que
nos destrói (mas esta é outra história...). Mas o que pode ser celebrado
como a liberdade para diferenciação do desejo foi hoje subvertido,
invertido para a anulação do desejo primário, adequando a fórceps o foco
de desejo (masculino e feminino) a um corpo magro e faminto. Até mesmo a
expressão das modelos de passarela sugere uma fome atávica, uma raiva
incontida que as proíbe de sorrir, como se fossem anuladas, proibidas de
se alegrarem com o desejo eventual que elas possam provocar em quem as
observa.
Em contraposição ao fascismo da esqualidês deste mundo
da moda, surge aqui e acolá algum movimento, como o apelo por uma moda
destinada a mulheres reais ou mesmo indústria de moda Plus Size. Mas até
no nome, a coisa se afigura um tanto suspeita. Por que manequins acima
de 44 devem ser chamadas de "Plus size" e manequins abaixo de 38 não são
chamadas de "less size"? Até nas definições, apologia da magreza está
incrustada. (E onde estão representadas as mulheres de manequim 38 a 42,
que não se enquadram em Plus nem no inexistente less size?)
Não se trata de eleger um padrão fixo de corpo ou modelo referencial que
norteie o desejo humano. Mas percebe-se intimamente que o desejo de
alguns referenciam o desejo de muitos; e que muitas vezes, o desejo de
alguns vai contra o padrão instintivo mesmo do desejo humano, e que
estes alguns, inconscientemente ou não, querem anular o desejo de
muitos, modelando o desejo padrão a uma inversão. O desejo é livre, mas
muitas vezes, os modismos aprisionam desejos e intenções.
Adrilles Jorge
Imagem: Jane Mansfield e a Vênus de Milo, por Marilyn Silverstone, Paris, Museu do Louvre, 1956.
Nenhum comentário:
Postar um comentário