sexta-feira, 22 de maio de 2015

Que esquerda? Para onde quer ir a direita? Estamos sem rumo

A falência do PT, a ascensão da direita e a esquerda órfã

por Rosana Pinheiro-Machado  publicado 20/05/2015 09h53, última modificação 20/05/2015 22h36
Fonte: Carta Capital
A inclusão pelo consumo incentivou o alinhamento aos valores neoliberais em uma sociedade de valores aristocráticos e uma democracia frágil

Dilma Rousseff
'Após apoiar Dilma para garantir as conquistas sociais, é preciso voltar para a crítica de um governo que se tornou indefensável'
Eu sou de Porto Alegre, uma cidade em que a utopia petista viveu seu auge no final do milênio. Até os dias de hoje, o orçamento participativo é referência no mundo. Isso não ocorre porque a sua concepção era idealmente revolucionária, mas principalmente porque as coisas aconteciam na prática cotidiana.
Com o microfone na mão, sujeitos pobres, destituídos de agência, eram empoderados por meio da palavra e da participação. Tendo as suas origens nos movimentos sociais, o PT investiu em uma ampla estrutura de formação de atores políticos.
A política capilar de base objetivava romper com uma longa história de clientelismo, de vínculos fracos de capital social, que destituíam os mais pobres de autonomia e de aspiração social. O empoderamento dava-se por meio da qualificação do capital social, da descentralização do poder e, consequentemente, da ampliação dacapabilidade política.
Os anos lulistas mudaram o rumo das coisas. Houve um deslocamento de ênfase na base: optou-se pelo empoderamento econômico em vez do político. Ao mesmo tempo em que os projetos de inclusão sociais resultaram em algumas das maiores conquistas de nossa história – como a redução da pobreza – o projeto de mobilidade social esvaziou a agenda política e ideológica.
O lulismo marca o “direito ao prazer”: políticas de inclusão financeira e inserção no mundo do consumo dos grupos de baixa renda. Eu considero o Programa Bolsa Família uma das maiores conquistas do Brasil, da mesma forma que penso que o prazer do consumo é um direito.
Meu argumento, portanto, exalta as conquistas históricas trazidas pelos programas sociais, mas ressente de que essa inclusão tem sido mais quantitativa do que qualitativa. Trata-se de um projeto que tem efeitos extraordinários a curto e médio prazo para resolver questões críticas, mas que no longo prazo se esgota diante da falta de uma agenda de política emancipadora.
A escolha pelo empoderamento econômico e não político tem consequências diretas no tipo de cidadão que se forma no Brasil. E não é por acaso que esse mesmo sujeito que ascendeu possa hoje levantar a bandeira irracional de ódio ao PT. A inclusão pelo consumo incentiva o alinhamento aos valores neoliberais. Isso tudo em meio a capitalismo cru, uma sociedade de valores aristocráticos e uma democracia frágil.
Hoje se pode comprar mais, de comida a refrigerador, mas quais são os valores desses grupos ascendentes? Os preconceitos de classe, cor e orientação sexual nunca estiveram tão assumidos. E essa violência de tendências fascistas parece se espalhar das elites às camadas mais populares. Há, portanto, carência de um projeto que valoriza os direitos humanos e fundamentais, estimula o pensamento crítico e fortalece os capitais políticos na base.
O esvaziamento ideológico do PT não por acaso coincide com uma profunda crise ética. Figuras históricas aparecem nas listas de "mensalão" à Petrobras. Foi assim que o partido encontrou meios para sustentar a governabilidade. Sabemos que a farra tucana foi da mesma grandeza. Ainda que alguns petistas tenham dificuldade de entender, o foco da discussão não é quem roubou mais. O imperdoável é que o PT se elegeu com a bandeira ética.
O desgaste do PT se agrava no Governo Dilma. O projeto desenvolvimentista começa com o massacre dos povos indígenas, passa por Kátia Abreu e termina com austeridade fiscal. Nós lembramos bem que a presidenta prometeu que não haveria arrocho.
Em meio à crise econômica, algumas das conquistas histórias dos projetos sociais demostram fragilidade. O impasse do Fies, por exemplo, tem causado humilhação e desalento aos estudantes de baixa renda. A terceirização marca o desgoverno do Partido dos (Semi-)Trabalhadores. Os petistas alegam que sua bancada votou contra. Mas ser refém da condição da governabilidade não é tão vexaminoso quanto? Um governo rendido ao PMDB. 
Quais são as chances de uma volta às raízes? Muito poucas se olharmos para o fato de que não há novas lideranças no partido e a tentativa de resgatar Lula soa desesperada.
A crise petista se arma diante de piores cenários pós-democratização. Ou seja, em pleno aumento do conservadorismo da extrema direita, que emerge das brechas da saturação. O sentimento irracional de ódio ao PT preenche vazios estruturais de descontentamento da população e conquista espaço para muito além das varandas gourmet.
O fascismo tropical traz soluções simplistas que dão repostas àqueles que sentem que não têm mais para onde correr. O aumento do conservadorismo, portanto, encontra espaço justamente diante de um vácuo moral, ético e político deixado pelo PT.
Qual é o papel da esquerda neste cenário? Ela está entre a cruz e a espada, no meio de uma polarização burra entre uma direita ensandecida e um PT desesperado. Uma parte da esquerda está presa a uma chantagem emocional que acusa a crítica ao partido como “um prato cheio para a direita”. Este argumento é manipulador, emburrecedor e reducionista, esvaziando a autocrítica – princípio que outrora norteava o PT.
Após apoiar a candidatura de Dilma Rousseff no segundo turno, como tentativa de, ao menos, garantir as conquistas históricas dos programas sociais, é preciso voltar para a crítica de um governo que se tornou indefensável.
Ao mesmo tempo em que assistimos a falência do PT e o aumento da extrema direita, não há um projeto abrangente de esquerda. A esquerda órfã necessita catar seus cacos quebrados, lamber as feridas, fazer autocrítica e pensar coletivamente. Em momentos de normalidade democrática, a diversidade do pensamento de esquerda enriquece, mas em momentos de crise ética e vácuo político, é preciso priorizar a unidade.
Partidos de esquerda, coletivos, intelectuais, ativistas e grupos independentes precisam concretizar uma frente ampla de esquerda que, como disse o professor Marcos Nobre recentemente em um evento na Unicamp, seja capaz de receber sem restrições todas as forças políticas interessadas em pensar coletivamente alternativas à esquerda para o Brasil – inclusive os petistas.
É preciso voltar à utopia e lista de tarefas urgentes a fazer é longa: reconquistar e reconstruir a base, politizar a pobreza (e não celebrar o consumo), descentralizar o poder e, por fim, empoderar atores políticos que possam conter a alavancada conservadora e lutar pela garantia dos direitos democráticos.

segunda-feira, 18 de maio de 2015

Troca-se panelas amassadas por livros de história. Troca-se ódio por racionalidade

Guga Noblat descobriu o óbvio: os paneleiros são doentes. 

Por Paulo Nogueira

 
Postado em 18 mai 201
Os doentes não respeitam nem crianças
Os doentes não respeitam nem crianças
O apresentador Guga Noblat descobriu a pólvora: os paneleiros são doentes.
Ele escreveu, no Facebook, que não imaginava que, carregando uma criança no colo, pessoas que protestavam contra Dilma pudessem hostilizá-lo.
Mas hostilizaram.
Quando nem um bebê é respeitado, é porque a doença é, definitivamente, grave.
E essa doença se chama ódio. É um tipo de ódio irracional, ilógico – e perigoso.
Sua origem é facilmente rastreável. Ele deriva do enxame de colunistas que, nos últimos anos, se dedicaram a fazer uma incessante e furiosa pregação contra o PT.
As grandes empresas de jornalismo se abarrotaram de pessoas com esse perfil: gente sem limites na agressividade antipetista.
Se você olhar para trás, verá que o primeiro deles foi Diogo Mainardi, na Veja.
Logo depois, também na Veja, mas no site, apareceu Reinaldo Azevedo.
Tolstoi não se gabava de ter escrito Guerra e Paz, mas Azevedo não perde uma chance de dizer que criou a palavra “petralha”, segundo ele dicionarizada.
Aos dois se juntaria, com a mesma selvageria, Arnaldo Jabor, que começou a enxergar bolcheviques sob a própria cama e a denunciá-los com estridência em jornais, rádio e tevê.
Com o correr dos dias, o grupo foi se ampliando rapidamente. Rachel Sheherazade surgiu dentro desse quadro.
Não quisesse Silvio Santos dar sua contribuição sorridente para o ódio anti-PT, Sheherazade ainda estaria no anonimato em que sua carreira se arrastou.
Esta é uma característica comum à brigada da raiva.
Em circunstâncias normais, não seriam nada, ou quase nada. Mas deixaram claro aos donos da mídia que topariam agredir incondicionalmente Lula, Dilma e o PT. E isso lhes trouxe emprego e dinheiro fácil.
A grande ironia de tudo, e já falei disso algumas vezes, é que quem financia tudo isso é o próprio governo, pelo dinheiro bilionário que ano após ano coloca nas corporações de jornalismo dedicadas a destruí-lo.
Sobra dinheiro aos Marinhos, Frias e Civitas para sustentar e ampliar a bancada do golpe.
Uma das grandes interrogações futuras sobre os governos petistas é por que continuaram a prestigiar, com copiosos anúncios, empresas jornalísticas que são hoje, para usar a palavra de Guga Noblat, fábricas de “doentes”.
O mistério é ainda maior porque as audiências das mídias tradicionais despencaram nos últimos anos, com a ascensão da mídia digital.
Um tipo de público foi especialmente afetado pela mídia: pessoas de classe média, ou classe média alta, com pouquíssima leitura.
São os chamados analfabetos políticos.
Um caso exemplar é o do executivo fracassado Danilo Amaral, que hostilizou Padilha num restaurante em São Paulo.
Você tem que estar doente da cabeça para fazer o que ele fez. A vida de Amaral foi vasculhada pelos que se apoiaram Padilha, e hoje todo o Brasil sabe que o ponto supremo de sua carreira foi enterrar uma companhia aérea.
Agoto todos sabem que Danilo Amaral enterrou a Bra
Agora todos sabem que Danilo Amaral enterrou a Bra
O que fez a fábrica de doentes com Amaral?
Aplaudiu.
Algumas pessoas notaram uma ironia nos apuros de Guga. Ele é filho do jornalista Ricardo Noblat, que em seu blog no Globo é parte do grupo semeador de ódio.
Talvez seja uma oportunidade para Noblat refletir sobre o triste papel que vem desempenhando como blogueiro.
Há um limite para agradar patrões – e este limite foi há muito tempo ultrapassado por Noblat e seus congêneres.
Paulo Nogueira
Sobre o Autor
O jornalista Paulo Nogueira é fundador e diretor editorial do site de notícias e análises Diário do Centro do Mundo.