sexta-feira, 2 de maio de 2014

Afogar a Amazônia ?

  • TEMA EM DISCUSSÃO: Hidrelétricas na Região Norte
Publicado:
Diante da desastrosa gestão do setor elétrico que faz o Brasil enfrentar mais uma crise de fornecimento de energia, setores do governo e da indústria têm sugerido o retorno das hidrelétricas com grandes reservatórios. Estas seriam capazes de garantir mais energia e segurança para o país. Mas isso não passa de pura ilusão. Não é mais possível construir hidrelétricas com reservatórios na Amazônia devido a limitações técnicas e naturais. O próprio Ministério de Minas e Energia reconheceu que a ausência de quedas d’água forçaria o alagamento de imensas áreas. Isso sem contar o extenso histórico de falhas e erros que marcam o processo de licenciamento dessas grandes obras, com graves impactos socioambientais.

Historicamente, os direitos dos povos indígenas e ribeirinhos vem sendo desrespeitados. E hidrelétricas como as de Jirau e Santo Antônio, no rio Madeira, foram construídas sem planos de contingência para lidar com cheias anormais que tendem a ser mais comuns com o agravamento das mudanças climáticas. O caso de Jirau é ainda mais complicado uma vez que deveria estar pronta em 2013 e cujo custo previsto em R$9 bi sairá por nada menos que R$17,4 bi e, talvez, comece a gerar energia em 2016. A ilusão se intensifica ao lembrarmos do anúncio da redução da conta de luz em 2012. O populismo tarifário praticado pela presidenta Dilma terá o efeito contrário e as tarifas de energia ficarão mais caras a partir de 2015.

 As distribuidoras, sufocadas diante do alto custo do acionamento das termelétricas, lidam com um rombo de R$12 bi que pesará no bolso dos consumidores. Claro, apenas após as eleições. Não há mágica que resolva as contas do governo e não há solução ‘simples’ como a das hidrelétricas com grandes reservatórios. Para alcançar uma matriz elétrica confiável e econômica, o país precisa de planejamento sério para diversificar suas fontes e assegurar o abastecimento de energia. É necessário investir em renováveis, como eólica e solar, que dispensam obras caras e demoradas e evitam custos com linhas de transmissão já que estão mais próximas aos centros consumidores.

 Em 2013, o valor mais alto para essas fontes foi de R$228/MWh para energia solar, ainda assim quase quatro vezes mais barata do que os R$822/ MWh alcançados em razão do acionamento das termelétricas. E a energia eólica contratou 4.700 MW no ano passado, valor capaz de atender quase 70% do que a matriz elétrica brasileira precisa crescer anualmente. Enquanto não houver planejamento nem diversificação do setor elétrico, o Brasil vai continuar patinando em busca de soluções não apenas caras a curto prazo, mas também tecnicamente inviáveis. Não será transformando a Amazônia em um imenso lago onde serão afogados todos aqueles que ousam mostrar caminhos novos para a condução do planejamento do setor elétrico que iremos resolver o problema.
Sérgio Leitão é diretor de políticas públicas do Greenpeace Brasil.
Tica Minami é coordenadora da campanha da Amazônia do Greenpeace Brasil


Desperdício de comida e fome

Metade da comida do mundo vai parar no lixo. Relatório Global Food divulgado pelo Reino Unido aponta que até 50% dos alimentos que são produzidos, todos os anos, nunca são ingeridos e tem a lata do lixo como destino. O desperdício de comida acaba provocando, também, o uso exagerado de outros recursos em escassez, como a água
A fome é, hoje, um dos principais problemas mundiais: cerca de três bilhões de pessoas - que representam quase metade da população do planeta - sofrem com a insegurança alimentar, de acordo com a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), que ainda garante que esse número, infelizmente, não para de crescer. E o pior é que a comida que poderia alimentar grande parte dessas pessoas existe e está sendo jogada, todos os dias, na lata do lixo.
O relatório Global Food: waste not, want not ("Comida Global: não desperdice, não queira", em tradução livre), divulgado dia 10.04.2014 pelo Instituto de Engenheiros Mecânicos (Imeche), do Reino Unido, apontou que entre 30 e 50% dos alimentos produzidos anualmente no mundo nunca são ingeridos. A porcentagem representa de 1,2 a 2 bilhões de toneladas de comida, que têm o lixo como destino.
Classificado como "assombroso" pela instituição, esse desperdício de alimentos é consequência de uma série de problemas. Entre eles:
- técnicas insatisfatórias de engenharia e agricultura;
- infraestrutura inadequada de transporte e armazenamento;
- exigência dos supermercados de que os produtos sejam visualmente perfeitos nas prateleiras;
- promoções "compre um, leve dois", que incentivam as pessoas a levar para casa mais do que precisam e
- claro, falta de consciência dos consumidores.
O desperdício de alimentos ainda provoca o uso exagerado de outros recursos que já estão em escassez, como água e energia. De acordo com o relatório britânico, atualmente, cerca de 550 bilhões de metros cúbicos de água são desperdiçados, todos os anos, na produção da comida que vai para o lixo. E a situação pode ficar ainda pior, se não repensarmos a forma como estamos consumindo os alimentos: segundo o estudo, até 2050, o uso de água no mundo chegará a 13 trilhões m³/ano, sobretudo por conta da demanda para produção alimentícia.
Em 2009, campanha lançada pelo Instituto Akatu alertou a população de que um terço dos alimentos comprados pelos brasileiros vai direto para a lata do lixo.
(Débora Spitzcovsky)

segunda-feira, 28 de abril de 2014

A guerra da internet está apenas começando

Por Carlos Castilho em 25/04/2014, no Observatório da Imprensa



A internet passou a ser um tema diário na agenda da imprensa mundial ao se tornar parte quase obrigatória em conflitos étnicos, militares, econômicos e legais, bem como assunto do quotidiano doméstico. A rede deixou de ser um assunto exclusivo dos admiradores das novas tecnologias para monopolizar as atenções de juristas, governantes, militares, políticos, empresários e pais de família.
Prova disso é o fato de governos trocarem farpas e ameaças de retaliações digitais, dos políticos dizerem asneiras a granel sobre a internet, dos juristas e magistrados baterem cabeça para achar soluções para intrincados dilemas legais, enquanto as empresas partem para a guerra aberta por posições de força no mercado de usuários e o cidadão comum mostra uma crescente aflição por estar no meio de um bate-boca sobre um tema que ele só conhece a partir de informações dadas por filhos e netos. 
Querendo ou não, nossa vida já está condicionada pela internet. Entramos, gostando ou não, na era da cultura digital, da perda de privacidade, dos crimes online, da militarização dos bytes e bits, da batalha entre empresas novas e antigas pela sobrevivência econômica num ambiente que ainda é desconhecido pela maioria dos empresários, de polêmicas judiciais difíceis de entender e mais ainda de julgar. Tudo isso em meio à sensação de que não há mais certezas e que tudo passou a ser fluido, mutável.
O Brasil aprovou uma lei chamada Marco Civil da Internet com o objetivo de tentar organizar o ambiente cibernético, ao mesmo tempo em que, em São Paulo, acontecia uma reunião mundial para resolver quem manda e como manda na rede, um tema que ainda vai dar muito pano para manga. Nos Estados Unidos, os internautas entraram em pé de guerra por conta da possibilidade de o governo acabar com a chamada neutralidade da internet, uma norma vigente desde o surgimento da rede e que estabelecia a igualdade direitos de acesso e navegação entre todos os usuários. 
A batalha na opinião pública sobre a neutralidade está apenas começando e vai longe porque está em jogo o princípio que deu origem à rede mundial de computadores, o da liberdade de navegação virtual. Se não bastasse tudo isso, o americano médio ainda está sob o impacto da revelação de que suas conversas por celular e pela rede foram monitoradas pela Agência Nacional de Segurança (NSA, na sigla em inglês) e descobre que a CIA está usando redes sociais virtuais para promover manifestações antigovernamentais em Cuba.
Na Rússia, o presidente Wladimir Putin assoprou as cinzas da Guerra Fria ao afirmar que a internet é uma invenção da CIA, dando a entender que vai usar a força para impedir que dissidentes usem a rede para veicular críticas ao autoritarismo do Kremlin. A aversão de Putin ao mundo digital foi aguçada com o uso intensivo da internet na crise da Ucrânia e nas esporádicas demonstrações de rebeldia antiautoritarismo noutras antigas repúblicas da extinta União Soviética.
O governo chinês há muito tempo vem tentando domesticar os internautas do país para evitar sustos como uma eventual “primavera chinesa”. A Turquia é outro país que olha a internet com profunda desconfiança e já bloqueou temporariamente o acesso ao YouTube e Twitter por não gostar de opiniões hostis emitidas por internautas locais. E no Oriente Médio, Israel e os palestinos incorporaram o espaço cibernético ao teatro de operações militares.
Além disso, há uma sucessão de batalhas econômicas entre projetos surgidos na internet e empresas convencionais inconformadas com a perda de clientela e receitas. Os juízes da Suprema Corte de Justiça dos Estados Unidos têm nas mãos, há mais de mês, a batata quente de resolver se uma pequena empresa, chamada Aereo, pode ou não veicular pela internet a programação das grandes redes de TV. A decisão afetará todo o bilionário negócio da computação em nuvem, segmento que mobiliza a atenção de todas as grandes empresas da internet como Google, Facebook, Microsoft, Cisco, Apple, Samsung e Oracle.
Outras duas batalhas legais nos Estados Unidos mostram que chegou ao fim a coexistência pacífica entre empresas de estrutura analógica e as de estrutura digital. O site AirBnB , o grande sucesso em matéria de aluguéis de curta temporada via internet, está sendo processado pelas imobiliárias e pela prefeitura de Nova York por ignorar uma obscura lei que impede locações com prazo inferior a 30 dias. E o site Uber, que provocou um terremoto entre os taxistas norte-americanos, está sendo investigado a pedido dos sindicatos inconformados por perderem a exclusividade no atendimento de clientes.
Daqui para frente teremos cada vez mais notícias sobre conflitos de interesses sendo encaminhados para os tribunais ou para a diplomacia da força. É o sinal mais evidente de que a internet está mexendo para valer nas estruturas políticas, sociais, econômicas e militares do mundo em que vivemos. Os interesses afetados pela mudança e pela inovação reagem usando as instituições e leis que ainda não foram adaptadas aos novos tempos.
Os conflitos em torno da internet estão embaralhando os parâmetros políticos convencionais. Personalidades e empresas consideradas antes como progressistas passaram a resistir à inovação quando seus interesses foram afetados; enquanto outras, tradicionalmente conservadoras, apostam no digital por conta da expectativa de lucros. Estamos realmente no limiar de uma era de dúvidas e perplexidades muito mais profundas do que as previstas por John Kenneth Galbraith no seu famoso livro, a Era da Incerteza