quarta-feira, 19 de agosto de 2015

A evolução de uma crise

A ofensiva conservadora e as crises, por Samuel Pinheiro Guimarães

Fonte: Brasil de Fato
O diplomata brasileiro, Samuel Pinheiro Guimarães, em artigo especial para o Brasil de Fato, faz uma análise da crise no Brasil, o avanço de setores conservadores e o papel do governo federal; bem como aponta as saídas e desafios das forças progressistas.
por Samuel Pinheiro Guimarães*
1. A sociedade brasileira está diante de uma ofensiva conservadora que se aproveita de entrelaçadas crises na economia, na política, nas instituições do Estado, na imprensa e nos meios sociais para fazer avançar seus objetivos;
2. A suposta crise econômica ofereceu pretexto para implantar um programa neoliberal de acordo com o Consenso de Washington: privatização, abertura comercial e financeira, ajuste orçamentário, flexibilização do mercado de trabalho, redução do Estado, tudo com a aprovação do sistema financeiro nacional, por um Governo eleito pela esquerda;
3. A crise da corrupção, cujo maior evento é a Operação Lava Jato, mas também a Operação Zelotes, esta inclusive de maior dimensão, está servindo para destruir a engenharia de construção, onde se encontra o capital nacional de forma importante, com atuação internacional, e para preparar a destruição de organismos do Estado tais como a Petrobras, o BNDES, a Caixa Econômica, a Eletrobrás etc. a pretexto de que os eventos de corrupção neles investigados seriam apenas o resultado de serem estas entidades estatais;
4. Sua privatização, que corresponderia a sua desestatização/desnacionalização, eliminaria, segundo eles, a possibilidade de corrupção;
5. A crise do Judiciário, do Ministério Público e da Polícia Federal se desenvolve em várias esferas;
6. O Supremo Tribunal Federal tolera que um de seus membros interrompa, há mais de um ano, sob o pretexto de vista, uma ação, cujo resultado já está definido por 6 votos a 1, sobre a ilegalidade do financiamento privado de campanhas, fenômeno que está na origem da corrupção do sistema eleitoral em todos os Partidos e veículo para o exercício da influência corruptora do poder econômico na política e na Administração;
7. O objetivo deste juiz é aguardar até que o Congresso aprove emenda constitucional, já em tramitação por obra do Presidente da Câmara, que torna legal o financiamento privado de campanhas;
8. A teoria do domínio do fato, uma aberração jurídica, acolhida pelo STF, reverte o ônus da prova e, mais, torna qualquer indivíduo responsável pelos atos de outrem sob suas ordens sem que o acusador ou o juiz tenha necessidade de provar que o acusado conhecia tais fatos;
9. O sistema do Ministério Público permite a qualquer Procurador individual desencadear processos com base até em notícias de jornal contra qualquer indivíduo, vazar de forma seletiva estas acusações para a imprensa, que as reproduz, sem nenhum respeito pelos direitos dos supostos culpados e sem nenhuma perspectiva de reparação do dano causado pelas denúncias do Procurador nem pela imprensa que as divulgou, caso se verifique a improcedência das acusações;
10. A Polícia Federal exerce suas funções com extrema parcialidade, de forma midiática, criando, na sociedade a presunção de alta periculosidade de indivíduos que prende para investigação e se arvorando em poder independente do Estado;
11. Segundo depoimento do Presidente das entidades da Polícia Federal na Câmara dos Deputados, a Polícia Federal recebe recursos regularmente da CIA, do FBI e da DEA, no montante de USD 10 milhões anuais, depositados diretamente em contas individuais de policiais federais;
12. A crise política decorre da decepção e do inconformismo do PSDB e de seus aliados com a derrota nas urnas em 2014 o que o leva a procurar, por todos os meios, erodir a credibilidade e a legitimidade do Governo Dilma Rousseff e, por via transversa, do Governo Lula e assim minar as possibilidades de vitória de uma eventual candidatura de Lula em 2018;
13. Contam os partidos e políticos conservadores com a campanha sistemática da televisão, jornais e revistas, com base em denúncias vazadas, com a campanha de intimidação na Internet, com as manifestações populares, com o desemprego crescente causado pela política de corte de investimentos e de elevação estratosférica de juros, os maiores do mundo, para fazer baixar os índices de aprovação do Governo e da Presidenta e poder argumentar com a legitimidade e a necessidade de depô-la pelo impeachment;
14. A crise na imprensa e nos meios de comunicação se desenvolve em um ambiente em que as televisões, rádios, jornais e revistas recebem paradoxalmente enormes recursos do Governo para a ele fazer oposição sistemática, erodir a confiança da população no sistema político e nos partidos, em especial nos partidos progressistas, de esquerda, poupando os partidos conservadores tais como o PSDB, que recebeu tantas doações para sua campanha de 2014 quanto o PT e das mesmas empresas ora acusadas pelo juiz Moro;
15. A crise social se desenvolve na Internet, onde circula todo tipo de ofensa racista, homofóbica, antifeminina, antiprogressista e fascista, contra os políticos e partidos de esquerda, gerando um clima de hostilidade e ódio e estimulando a agressão física
16. No Congresso, os setores mais conservadores elegeram grande número de deputados e, tendo conquistado a Presidência da Câmara dos Deputados, fazem avançar, a toque de caixa, sem nenhuma atenção à necessidade de debate pelos parlamentares e pela sociedade, uma ampla pauta de projetos conservadores que inclui, entre os principais, a redução da maioridade penal, a ampliação do uso de armas, o financiamento privado das campanhas;
17. O objetivo máximo desta grande ofensiva política e econômica conservadora é a tomada do poder através do impeachment da Presidenta Dilma e/ou a desmoralização do PT que leve a sua derrota fragorosa nas eleições de 2016, a qual preparará sua derrota final e “desaparecimento” nas eleições de 2018;
18. O processo político do impeachment da Presidenta Dilma não avança por estarem o PSDB e PMDB divididos quanto a sua conveniência no atual momento do calendário político e econômico;
19. Os três possíveis candidatos do PSDB à Presidência da República, quais sejam, Aécio Neves, Geraldo Alckmin e José Serra tem opiniões diferentes sobre sua conveniência;
20. A Aécio Neves interessa o impeachment de Dilma Rousseff e de Michel Temer por crime eleitoral, declarado pelo TSE, logo que possível pois isto levaria a uma eleição em 90 dias onde espera que, como presidente nacional do PSDB e candidato que teria perdido a eleição devido a “fraude”, agora se beneficiaria devido a sua campanha persistente pela ilegitimidade dos resultados eleitorais de 2014, o que o faria o candidato do PSDB com melhor perspectiva de vitória;
21. A Geraldo Alckmim interessa que o processo político, econômico e social desgaste longa e duradouramente o Governo Dilma e o PT até que as eleições municipais se realizem em 2016, com fragorosa derrota do PT e do PMDB e que tenha tempo de construir sua candidatura, com base no Governo de São Paulo, enquanto a candidatura de Aécio se enfraqueceria com o tempo como resultado de eventuais denúncias;
22. A José Serra interessa também que o impeachment não ocorra agora, que o Governo se desgaste para que tenha tempo de reconstruir sua imagem e eventualmente possa se candidatar pelo PSDB em 2018 ou até mesmo pelo PMDB, que insiste em ter candidato próprio mas sem nome hoje viável. Afinal, Serra foi fundador do PMDB e voltaria a sua casa, construindo sua candidatura junto à classe média nacional, através de sua atuação no Senado, com toda cobertura favorável da imprensa;
23. Para o PMDB, o impeachment da Presidenta representa o fim de um Governo onde ocupa a Vice-Presidência e ao qual dá apoio enquanto que um longo processo de desgaste da Presidenta, do Governo e do PT também o atingiria como partido aliado, enquanto a imprensa desgasta sua imagem na opinião pública como partido oportunista e corrupto;
24. Os interesses de Michel Temer, de Renan Calheiros e de Eduardo Cunha são divergentes. Cunha acredita poder ser o candidato do PMDB à Presidência, assumindo a liderança da ofensiva conservadora no Congresso e o papel de defensor do Congresso, mas enfrenta o desgaste das denúncias de corrupção. Michel Temer sabe que a condenação por crime eleitoral de Dilma Rousseff pelo TSE também o arrastaria enquanto que a condenação de Dilma pela rejeição das contas de 2014 pelo TCU e pelo Congresso o levariam à Presidência. Renan disputa com Temer influência no PMDB e imagina poder ser candidato em 2018 com o enfraquecimento dos demais;
25. No PT, a situação é talvez ainda mais grave;
26. O programa econômico conservador, ao cortar investimentos públicos e as despesas de custeio do Governo, aumenta o desemprego e afeta a demanda o que reduz as perspectivas de lucro, contrai os investimentos privados, estabelece a desconfiança nos “mercados” e reduz as receitas normais tributárias, aumentando o déficit público;
27. Ao aumentar a taxa de juros, o Governo (Banco Central) aumenta as despesas do Governo e a relação dívida/PIB, reduz a atividade econômica e as perspectivas de lucro e provoca a queda da arrecadação. Ao não conseguir o aumento de receitas normais pela dificuldade em elevar tributos, passa a apelar para a venda de ativos o que é uma forma disfarçada de privatização, com resultados apenas temporários;
28. Ao provocar o desemprego, ao apoiar medidas desfavoráveis aos trabalhadores como alterações no seguro desemprego, no abono salarial e outras, e ao provocar a redução do crescimento o Governo mina a sua base de apoio social e político e as bases sociais e políticas do PT;
29. A retração da demanda, o aumento das taxas de juros, a contração das atividades do BNDES, a redução das oportunidades de investimento, a perspectiva de aumento de tributos afetam os interesses dos empresários e aumenta o seu descontentamento com o Governo e sua política;
30. Não há liderança no PT além de Lula que, por seu lado, não vê como abandonar o programa econômico do Governo Dilma sem acelerar sua queda, mas reclama da incapacidade da Presidenta para o exercício da política;
31. As pesquisas de opinião podem vir a revelar níveis de rejeição muito superiores aos que ocorreram na véspera do impeachment de Collor. Caso os níveis de aprovação caiam abaixo de 5%, o desânimo e a desmobilização dos movimentos sociais e dos sindicatos, a perplexidade dos congressistas, a posição dos candidatos a prefeito em 2016, as contínuas denúncias do Ministério Público (na realidade de procuradores individuais) contra políticos vinculados ao PT e contra o próprio Lula, a agressividade social e intimidatória conservadora podem gerar situação de gravíssimo perigo político para sobrevivência da democracia;
32. O Governo, apático, atordoado e intimidado, parece acreditar em sua pureza que fará que, ao final, sobreviva, único puro, à tempestade de denúncias que atingem políticos e partidos sem compreender que o objetivo da ofensiva conservadora não é lutar contra a corrupção e moralizar o país mas sim derrubá-lo e recuperar a hegemonia completa na sociedade e no Estado;
33. O Governo se retrai, não age politicamente nem mobiliza os movimentos sociais e os setores que poderiam apoiá-lo no enfrentamento a esta ofensiva conservadora que fará o Brasil recuar anos em sua trajetória de luta contra as desigualdades e suas vulnerabilidades, e de construção de um país mais justo, menos desigual, mais democrático, mais próspero e mais soberano;
34. É urgente a mobilização de todas as forças sociais progressistas para combater o desemprego causado pelo programa de ajuste, que está, isto sim, gerando imensa crise econômica e social, para defender a democracia e seus representantes legítimos, para defender as conquistas dos trabalhadores, para defender a empresa nacional, para defender o desenvolvimento do país, para defender a soberania nacional e a capacidade de autodeterminação da sociedade brasileira;
35. Para defender o Brasil.
*Diplomata brasileiro, foi secretário-geral das Relações Exteriores do Ministério das Relações Exteriores e ministro-chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República do Governo Lula.

Havia corrupção na ditadura civil-militar?

Conheça dez histórias de corrupção durante a ditadura militar

Marcelo Freire
Do UOL, em São Paulo

  • memoriasreveladas.arquivonacional.gov.br/Arquivo Nacional
    Militares em frente ao Ministério do Exército, no Rio, em 2 de abril de 1964
    Militares em frente ao Ministério do Exército, no Rio, em 2 de abril de 1964
Os protestos de 15 de março, direcionados principalmente contra o governo federal e a presidente Dilma Rousseff, indicaram a insatisfação de parte da população com os casos de corrupção envolvendo partidos políticos, empresas públicas e empresas privadas. Algumas pessoas, inclusive, chegaram a pedir uma intervenção militar, alegando que essa seria a solução para o fim da corrupção.
Mas será que nesse período a corrupção realmente não fazia parte da esfera política? Apesar da blindagem proporcionada pelas restrições ao Legislativo, Judiciário e imprensa, ainda assim a ditadura não passou imune a diversas denúncias de corrupção.
UOL listou dez delas, tendo como fonte a série de quatro livros de Elio Gaspari sobre o período ("A Ditadura Envergonhada", "A Ditadura Escancarada", "A Ditadura Derrotada" e "A Ditadura Encurralada") e reportagens da época. O primeiro item que envolve Delfim Netto contém uma resposta do ex-ministro sobre os casos. Veja:

1 - Contrabando na Polícia do Exército

A partir de 1970, dentro da 1ª Companhia do 2º Batalhão da Polícia do Exército, no Rio de Janeiro, sargentos, capitães e cabos começaram a se relacionar com o contrabando carioca. O capitão Aílton Guimarães Jorge, que já havia recebido a honra da Medalha do Pacificador pelo combate à guerrilha, era um dos integrantes da quadrilha que comercializava ilegalmente caixas de uísques, perfumes e roupas de luxo, inclusive roubando a carga de outros contrabandistas. Os militares escoltavam e intermediavam negócios dos contraventores. Foram presos pelo SNI (Serviço Nacional de Informações) e torturados, mas acabaram inocentados porque os depoimentos foram colhidos com uso de violência – direito de que os civis não dispunham em seus processos na época. O capitão Guimarães, posteriormente, deixaria o Exército para virar um dos principais nomes do jogo do bicho no Rio, ganhando fama também no meio do samba carioca. Foi patrono da Vila Isabel e presidente da Liesa (Liga Independente das Escolas de Samba).

2 - A vida dupla do delegado Fleury

Folhapress
Sérgio Paranhos Fleury
Um dos nomes mais conhecidos da repressão, atuando na captura, na tortura e no assassinato de presos políticos, o delegado paulista Sérgio Fernandes Paranhos Fleury foi acusado pelo Ministério Público de associação ao tráfico de drogas e extermínios. Apontado como líder do Esquadrão da Morte, um grupo paramilitar que cometia execuções, Fleury também era ligado a criminosos comuns, segundo o MP, fornecendo serviço de proteção ao traficante José Iglesias, o "Juca", na guerra de quadrilhas paulistanas. No fim de 1968, ele teria metralhado o traficante rival Domiciano Antunes Filho, o "Luciano",  com outro comparsa, e capturado, na companhia de outros policiais associados ao crime, uma caderneta que detalhava as propinas pagas a detetives, comissários e delegados pelos traficantes. O caso chegou a ser divulgado à imprensa por um alcaguete, Odilon Marcheronide Queiróz ("Carioca"), que acabou preso por Fleury e, posteriormente, desmentiu a história a jornais de São Paulo. Carioca seria morto pelo investigador Adhemar Augusto de Oliveira, segundo o próprio revelaria a um jornalista, tempos depois.
Os atos do delegado na repressão, no entanto, lhe renderam uma Medalha do Pacificador e muita blindagem dentro do Exército, que deixou de investigar as denúncias. Promotores do MP foram alertados para interromper as investigações contra Fleury. De acordo com o relato publicado em "A Ditadura Escancarada", o procurador-geral da Justiça, Oscar Xavier de Freitas, avisou dois promotores em 1973: "Eu não recebo solicitações, apenas ordens. (…) Esqueçam tudo, não se metam em mais nada. Existem olheiros em toda parte, nos fiscalizando. Nossos telefones estão censurados".
No fim daquele ano de 1973, o delegado chegou a ter a prisão preventiva decretada pelo assassinato de um traficante, mas o Código Penal foi reescrito para que réus primários com "bons antecedentes" tivessem direito à liberdade durante a tramitação dos recursos. Em uma conversa com Heitor Ferreira, secretário do presidente Ernesto Geisel (1974-1979), o general Golbery do Couto e Silva – então ministro do Gabinete Civil e um dos principais articuladores da ditadura militar – classificou assim o delegado Fleury, quando pensava em afastá-lo: "Esse é um bandido. Agora, prestou serviços e sabe muita coisa". Fleury morreu em 1979, quando ainda estava sob investigação da Justiça.

3 - Governadores biônicos e sob suspeita

Em 1970, uma avaliação feita pelo SNI ajudou a determinar quais seriam os governadores do Estado indicados pelo presidente Médici (1969-1974). No Paraná, Haroldo Leon Peres foi escolhido após ser elogiado pela postura favorável ao regime; um ano depois, foi pego extorquindo um empreiteiro em US$ 1 milhão e obrigado a renunciar. Segundo o general João Baptista Figueiredo, chefe do SNI no governo Geisel, os agentes teriam descoberto que Peres "era ladrão em Maringá" se o tivessem investigado adequadamente. Na Bahia, Antônio Carlos Magalhães, em seu primeiro mandato no Estado, foi acusado em 1972 de beneficiar a Magnesita, da qual seria acionista, abatendo em 50% as dívidas da empresa.

4 - O caso Lutfalla

Estadão Conteúdo
Paulo Maluf
Outro governador envolvido em denúncias foi o paulista Paulo Maluf. Dois anos antes de assumir o Estado, em 1979, ele foi acusado de corrupção no caso conhecido como Lutfalla – empresa têxtil de sua mulher, Sylvia, que recebeu empréstimos do BNDE (Banco Nacional de Desenvolvimento) quando estava em processo de falência. As denúncias envolviam também o ministro do Planejamento Reis Velloso, que negou as irregularidades, e terminou sem punições.

5 - As mordomias do regime

Em 1976, as Redações de jornal já tinham maior liberdade, apesar de ainda estarem sob censura. O jornalista Ricardo Kotscho publicou no "Estado de São Paulo" reportagens expondo as mordomias de que ministros e servidores, financiados por dinheiro público, dispunham em Brasília. Uma piscina térmica banhava a casa do ministro de Minas e Energia, enquanto o ministro do Trabalho contava com 28 empregados. Na casa do governador de Brasília, frascos de laquê e alimentos eram comprados em quantidades desmedidas – 6.800 pãezinhos teriam sido adquiridos num mesmo dia. Filmes proibidos pela censura, como o erótico "Emmanuelle", eram permitidos na casa dos servidores que os requisitavam. Na época, os ministros não viajavam em voos de carreira, e sim em jatos da Força Aérea.
Antes disso, no governo Médici já se observavam outras regalias: o ministro do Exército, cuja pasta ficava em Brasília, tinha uma casa de veraneio na serra fluminense, com direito a mordomo. Os generais de exército (quatro estrelas) possuíam dois carros, três empregados e casa decorada; os generais de brigada (duas estrelas) que iam para Brasília contavam com US$ 27 mil para comprar mobília. Cabos e sargentos prestavam serviços domésticos às autoridades, e o Planalto também pagou transporte e hospedagem a aspirantes para um churrasco na capital federal.

6 - Delfim e a Camargo Corrêa

Leticia Moreira/Folha Imagem
Delfim Netto
Delfim Netto – ministro da Fazenda durante os governos Costa e Silva (1967-1969) e Médici, embaixador brasileiro na França no governo Geisel e ministro da Agricultura (depois Planejamento) no governo Figueiredo – sofreu algumas acusações de corrupção. Na primeira delas, em 1974, foi acusado pelo próprio Figueiredo (ainda chefe do SNI), em conversas reservadas com Geisel e Heitor Ferreira. Delfim teria beneficiado a empreiteira Camargo Corrêa a ganhar a concorrência da construção da hidrelétrica de Água Vermelha (MG). Anos depois, como embaixador, foi acusado pelo francês Jacques de la Broissia de ter prejudicado seu banco, o Crédit Commercial de France, que teria se recusado a fornecer US$ 60 milhões para a construção da usina hidrelétrica de Tucuruí, obra também executada pela Camargo Corrêa. Em citação reproduzida pela "Folha de S.Paulo" em 2006, Delfim falou sobre as denúncias, que foram publicadas nos livros de Elio Gaspari: "Ele [Gaspari] retrata o conjunto de intrigas armado dentro do staff de Geisel pelo temor que o general tinha de que eu fosse eleito governador de São Paulo", afirmou o ex-ministro.
 
Outro lado: Em relação às denúncias que envolvem seu nome nesse texto, o ex-ministro Delfim Netto respondeu ao UOL: "Trata-se de velhas intrigas que sempre foram esclarecidas. Nunca tive participação nos eventos relatados".
 

7 - As comissões da General Electric

Durante um processo no Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) em 1976, o presidente da General Electric no Brasil, Gerald Thomas Smilley, admitiu que a empresa pagou comissão a alguns funcionários no país para vender locomotivas à estatal Rede Ferroviária Federal, segundo noticiou a "Folha de S.Paulo" na época. Em 1969, a Junta Militar que sucedeu Costa e Silva e precedeu Médici havia aprovado um decreto-lei que destinava "fundos especiais" para a compra de 180 locomotivas da GE. Na época, um dos diretores da empresa no Brasil na época era Alcio Costa e Silva, irmão do ex-presidente, morto naquele mesmo ano de 1969. Na investigação de 1976, o Cade apurava a formação de um cartel de multinacionais no Brasil e o pagamento de subornos e comissões a autoridades para a obtenção de contratos.

8 - Newton Cruz, caso Capemi e o dossiê Baumgarten

Paula Giolito /Folhapress
Newton Cruz
O jornalista Alexandre von Baumgarten, colaborador do SNI, foi assassinado em 1982, pouco depois de publicar um dossiê acusando o general Newton Cruz de planejar sua morte – segundo o ex-delegado do Dops Cláudio Guerra, em declaração de 2012, a ordem partiu do próprio SNI. A morte do jornalista teria ligação com seu conhecimento sobre as denúncias envolvendo Cruz e outros agentes do Serviço no escândalo da Agropecuária Capemi, empresa dirigida por militares, contratada para comercializar a madeira da região do futuro lago de Tucuruí. Pelo menos US$ 10 milhões teriam sido desviados para beneficiar agentes do SNI no início da década de 1980. O general foi inocentado pela morte do jornalista.

9 - Caso Coroa-Brastel

Delfim Netto sofreria uma terceira acusação direta de corrupção, dessa vez como ministro do Planejamento, ao lado de Ernane Galvêas, ministro da Fazenda, durante o governo Figueiredo. Segundo a acusação apresentada em 1985 pelo procurador-geral da República José Paulo Sepúlveda Pertence, os dois teriam desviado irregularmente recursos públicos por meio de um empréstimo da Caixa Econômica Federal ao empresário Assis Paim, dono do grupo Coroa-Brastel, em 1981. Galvêas foi absolvido em 1994, e a acusação contra Delfim – que disse na época que a denúncia era de "iniciativa política" – não chegou a ser examinada.

10 - Grupo Delfin

Denúncia feita pela "Folha de S.Paulo" de dezembro de 1982 apontou que o Grupo Delfin, empresa privada de crédito imobiliário, foi beneficiado pelo governo por meio do Banco Nacional da Habitação ao obter Cr$ 70 bilhões para abater parte dos Cr$ 82 bilhões devidos ao banco. Segundo a reportagem, o valor total dos terrenos usados para a quitação era de apenas Cr$ 9 bilhões. Assustados com a notícia, clientes do grupo retiraram seus fundos, o que levou a empresa à falência pouco depois. A denúncia envolveu os nomes dos ministros Mário Andreazza (Interior), Delfim Netto (Planejamento) e Ernane Galvêas (Fazenda), que chegaram a ser acusados judicialmente por causa do acordo.

GOLPE MILITAR COMPLETA 51 ANOS; RELEMBRE

domingo, 16 de agosto de 2015

A tentativa de impeachment é uma cruzada ética?

Misérias da elite brasileira

150816-Helio
Há um objetivo oculto nas ações dos que tentam “impeachment”: acabar com Lava Jato e “passar a régua” nos casos de corrupção empresarial, brandindo um bode expiatório
Mauri Cruz | Imagem: Hélio Carlos Melo
Para quem acompanha os noticiários, lê por entre as linhas ou escuta por detrás das falas, está mais do que evidente que o verdadeiro objetivo daqueles que querem o impedimento da Presidenta da República é acabar com a Operação Lava-Jato e as demais investigações contra a corrupção no Brasil. Isto porque, nestas operações, a lista de políticos dos partidos tradicionais, entre eles, o PP e o próprio PMDB é extensa e envolve nomes de peso que atualmente estão no centro do poder. As demais investigações como, por exemplo, a Operação Zelotes e o Trensalão de São Paulo, pegam em cheio os principais dirigentes do PSDB e seus aliados, dentre eles a Rede Globo e afiliadas, inclusive a própria RBS.
Isso significa que, se os arautos da ética conseguirem seu intento de derrubar a Presidenta do Brasil, ato contínuo irão encerrar as investigações colocando tudo para debaixo do tapete. Aliás, assim já estão fazendo com o denominado “Mensalão de Minas”, que, para guardar simetria com o outro, deveria ser chamado de Mensalão do PSDB. Enquanto o Zé Dirceu, estando preso, é preso novamente em horário nobre, os réus daquele crime sequer estão sendo incomodados pelo Poder Judiciário e, como sabemos, serão “inocentados” por decurso de prazo.
No entanto, depois de tentarem colocar o país mobilizado contra a corrupção, única forma de pararem com as investigações antes que elas resultem em sua própria prisão, os detentores do poder precisam depor uma Presidenta legitimamente eleita, oferecendo sua cabeça como prêmio ao país. Sem entregar à “opinião pública” um agente político da estatura da Presidenta Dilma não será possível “aplacar a ira” criada contra a política e os políticos nos últimos anos pela própria mídia corporativa.
Lembrem-se que isto assim já ocorreu. Em 1992, passado o impedimento do Presidente Fernando Collor, praticamente todos os seus aliados continuaram nos mesmos postos fazendo o que faziam antes. O próprio Collor foi “absolvido” pelo Supremo Tribunal de Justiça por falta de provas. E, frente a este absurdo jurídico, a mídia corporativa nada disse. Nada bradou. Nada questionou. Evidente está que a cruzada pela ética na política, àquela época como agora, serve apenas como fachada para manter tudo como estava.
A intenção é explícita. Criar um clima contra a corrupção que seja capaz de justificar a deposição da Presidenta, para, a partir daí, fazer justamente o contrário: manter a roubalheira como ela sempre existiu. Por isso, Cunha e seus aliados tentaram barrar a indicação do Procurador Geral, Rodrigo Janot. A tarefa dele é não deixar que a lista dos denunciados com foro privilegiado vá para o fundo das gavetas, lista esta, como já dito, que contém uma extensa maioria de políticos do PP, PMDB e PSDB. Neste round perderam mais uma. A Presidenta Dilma não se intimidou: demonstrou que vai até as últimas consequências e não teme o embate final.

Neste contexto, o que não consigo entender é como algumas lideranças históricas da esquerda brasileira caem na cantilena da direita de combate à corrupção. Não se trata, é óbvio, de defender a prática da corrupção, seja ela qual for e onde estiver. Mas é evidente que as campanhas nada sinceras em favor da moralidade pública nada têm a ver com sanar as contas públicas e garantir que os recursos sejam destinados ao atendimento das necessidades da maioria da população brasileira. É triste acompanhar militantes de renome fazendo coro aos discursos falsamente honestos da mídia empresarial. Aqueles que sonegam milhões de reais, apóiam e sempre apoiaram empresas, empresários e políticos corruptos, assumem a bandeira da moralidade administrativa somente para ferir de morte quem está combatendo, verdadeiramente, a corrupção no país.
Soubessem as pessoas que a política por detrás das mobilizações do dia 16 de agosto não visam ampliar direitos ou garantir melhores políticas públicas e sociais para todas e todos, ninguém teria coragem de defender ou aderir a essa falsa mobilização. Soubessem as pessoas que, caso vença a manobra do impedimento da Presidenta, os verdadeiros corruptos e corruptores continuarão com o controle do poder econômico, não iriam aderir a esta triste mobilização.
Por sua vez, o governo federal precisa sair da defensiva e de tentar, também ele, compor acordos com o grande capital. Não será assim que consolidará uma resistência afirmativa do projeto que, apesar dos problemas, vinha se mostrando vencedor. Como bem diz uma campanha veiculada nas rádios de Porto Alegre: dinheiro não some, troca de mãos. Os dados demonstram que, como resultado da pretensa crise econômica, a riqueza do povo brasileiro está saindo da cadeia produtiva e retornando para as mãos dos bancos e banqueiros de onde, por iniciativa da própria Presidenta Dilma, tinha sido retirada. Prova disto é a divulgação do lucro de bilhões de reais anunciada pelos bancos Itaú e Bradesco, dentre outros.
O Brasil é um país continental, com uma riqueza ambiental maravilhosa, um povo trabalhador e solidário que é responsável por uma das maiores economias do mundo. A luta popular tentou, por séculos, iniciar um projeto verdadeiramente democrático e popular. Desde 2002, deu início a uma longa e lenta transição democrática que, infelizmente, a miséria política e intelectual da elite brasileira não enxerga porque nunca sonhou com um Brasil verdadeiramente independente, livre e soberano. Espero que o povo brasileiro, através de suas organizações e movimentos sociais, saiba pôr-se de pé e impedir, com seu sangue se preciso, qualquer tentativa de retrocesso ou rendição. Desta vez, não passarão.
Fonte: Outras Palavras


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Mauri Cruz

Mauri Cruz é advogado socioambiental, especialista em direitos humanos, professor de graduação em direito à cidade e Mobilidade urbana, diretor regional da AbongRS.