A questão de censura ( oficial ou privada ) e da liberdade de expressão é um linha tênue em alguns momentos. Estamos em um desse momentos. Intelectuais e a classe artística se dividem com relação à publicação de biografias, que "deveriam ser autorizadas". O artigo abaixo, do Barcinski, é informativo e esclarecedor. É sempre bom lembrarmos que o Poder Judiciário ainda funciona nesse país, embora de forma precária e injusta. Mas não é um dado irrelevante diante da polêmica se forma.
Chico, Gil, Caetano e Djavan: de censurados a censores
05/10/13
Por Andre Barcinski, da Folha de S.Paulo
Tive de ler a reportagem da “Folha” duas vezes para me certificar de
que não estava delirando: Chico Buarque, Gilberto Gil, Caetano Veloso,
Djavan, Milton Nascimento e Erasmo Carlos se uniram a Roberto Carlos na
campanha para exigir autorização prévia de biografados (leia aqui).
De Roberto Carlos não se podia esperar outra coisa. Afinal, passou a
carreira toda sem dar um pio contra a ditadura e viveu os últimos 50
anos como um verdadeiro monarca, decidindo tudo que podia ou não ser
dito sobre ele (não é à toa que é chamado de “Rei”, enquanto Xuxa, outra
figura pública que ainda acredita viver na Monarquia, é a “Rainha”) .
Mas Chico Buarque? Um dos compositores mais censurados do país? Gil e
Caetano, exilados pelos militares? Gil, o ministro do Creative Commons?
Absolutamente surreal.
Na coluna de Ancelmo Gois no jornal “O Globo” de sexta, Djavan justificou assim sua decisão:
“A liberdade de expressão, sob qualquer circunstância, precisa ser
preservada. Ponto. No entanto, sobre tais biografias, do modo como é
hoje, ela, a liberdade de expressão, corre o risco de acolher uma
injustiça, à medida em que privilegia o mercado em detrimento do
indivíduo; editores e biógrafos ganham fortunas enquanto aos biografados
resta o ônus do sofrimento e da indignação. Nos países desenvolvidos,
você pode abrir um processo. No Brasil também, com uma enorme diferença:
nós não somos um país desenvolvido.
Brilhante. Quer dizer
que, enquanto não formos um “país desenvolvido”, o melhor é recorrer à
censura típica das repúblicas das bananas?
O parágrafo de
Djavan é tão confuso quanto algumas de suas letras. Ele começa dizendo
que é necessário preservar a liberdade de expressão “sob qualquer
circunstância”, para logo depois justificar a censura sobre “tais
biografias”.
Que biografias seriam essas? As que Djavan e amigos não aprovam?
Depois, o compositor diz que editores e biógrafos ganham “fortunas”.
Não sei em que país Djavan vive. Onde eu vivo, se um autor vende dez mil
cópias, sai dando cambalhota de felicidade (o escritor ganha, em média,
10% do preço de capa, então faça as contas e verá que escrever no
Brasil, com raras exceções, é coisa de maluco ou diletante).
Vivo num país onde o Luis Fernando Veríssimo diz que não sobrevive de literatura. O Veríssimo.
E não adianta Djavan e turma dizerem que não se trata de censura. Claro que é. Só é disfarçada de preocupação de mercado.
Em setembro, durante a Bienal do livro, Ruy Castro leu um manifesto,
assinado por 47 nomes, incluindo o historiador Bóris Fausto, o escritor
Cristovao Tezza, o poeta Ferreira Gullar, o cineasta Nelson Pereira dos
Santos e o jornalista e escritor Carlos Heitor Cony, contra a suspensão
da tramitação do projeto de lei que libera a publicação de biografias
sem autorização dos retratados (leia aqui).
Um dos trechos do manifesto diz:
“A dispensa do consentimento prévio do biografado não confere ao autor
imunidade sobre as consequências do que escrever. Em casos de abuso de
direito, uso de informação falsa e ofensiva à honra, a lei já contém os
mecanismos inibidores e as punições adequadas à proteção dos direitos da
personalidade”.
Ninguém é a favor de biografias mentirosas. Um
autor que publica uma calúnia ou informação falsa deve ser punido. Mas
também ninguém pode ser a favor de um mercado de livros “chapa branca”,
como os ícones da MPB querem criar.
P.S.: Publiquei esse texto
sábado, e o índice de leitura do blog cai muito durante o fim de semana.
Portanto, esse texto ficará no ar durante a segunda-feira.
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