A guerra da internet está apenas começando
Por Carlos Castilho em 25/04/2014, no Observatório da Imprensa
A internet passou a ser um tema diário na agenda da imprensa mundial
ao se tornar parte quase obrigatória em conflitos étnicos, militares,
econômicos e legais, bem como assunto do quotidiano doméstico. A rede
deixou de ser um assunto exclusivo dos admiradores das novas tecnologias
para monopolizar as atenções de juristas, governantes, militares,
políticos, empresários e pais de família.
Prova disso é o fato de governos trocarem farpas e ameaças de retaliações digitais,
dos políticos dizerem asneiras a granel sobre a internet, dos juristas e
magistrados baterem cabeça para achar soluções para intrincados dilemas
legais, enquanto as empresas partem para a guerra aberta por posições
de força no mercado de usuários e o cidadão comum mostra uma crescente
aflição por estar no meio de um bate-boca sobre um tema que ele só
conhece a partir de informações dadas por filhos e netos.
Querendo ou não, nossa vida já está condicionada pela internet.
Entramos, gostando ou não, na era da cultura digital, da perda de
privacidade, dos crimes online, da militarização dos bytes e bits, da
batalha entre empresas novas e antigas pela sobrevivência econômica num
ambiente que ainda é desconhecido pela maioria dos empresários, de
polêmicas judiciais difíceis de entender e mais ainda de julgar. Tudo
isso em meio à sensação de que não há mais certezas e que tudo passou a ser fluido, mutável.
O Brasil aprovou uma lei chamada Marco Civil da Internet com o objetivo
de tentar organizar o ambiente cibernético, ao mesmo tempo em que, em
São Paulo, acontecia uma reunião mundial para resolver quem manda e como manda na rede,
um tema que ainda vai dar muito pano para manga. Nos Estados Unidos, os
internautas entraram em pé de guerra por conta da possibilidade de o
governo acabar com a chamada neutralidade da internet, uma norma vigente
desde o surgimento da rede e que estabelecia a igualdade direitos de acesso e navegação entre todos os usuários.
A batalha na opinião pública sobre a neutralidade está apenas começando
e vai longe porque está em jogo o princípio que deu origem à rede
mundial de computadores, o da liberdade de navegação virtual. Se
não bastasse tudo isso, o americano médio ainda está sob o impacto da
revelação de que suas conversas por celular e pela rede foram
monitoradas pela Agência Nacional de Segurança (NSA, na sigla em inglês)
e descobre que a CIA está usando redes sociais virtuais para promover
manifestações antigovernamentais em Cuba.
Na Rússia, o presidente Wladimir Putin assoprou as cinzas da Guerra
Fria ao afirmar que a internet é uma invenção da CIA, dando a entender
que vai usar a força para impedir que dissidentes usem a rede para
veicular críticas ao autoritarismo do Kremlin. A aversão de Putin ao
mundo digital foi aguçada com o uso intensivo da internet na crise da
Ucrânia e nas esporádicas demonstrações de rebeldia antiautoritarismo
noutras antigas repúblicas da extinta União Soviética.
O governo chinês há muito tempo vem tentando domesticar os internautas do
país para evitar sustos como uma eventual “primavera chinesa”. A
Turquia é outro país que olha a internet com profunda desconfiança e já
bloqueou temporariamente o acesso ao YouTube e Twitter por não gostar de
opiniões hostis emitidas por internautas locais. E no Oriente Médio,
Israel e os palestinos incorporaram o espaço cibernético ao teatro de
operações militares.
Além disso, há uma sucessão de batalhas econômicas entre
projetos surgidos na internet e empresas convencionais inconformadas com
a perda de clientela e receitas. Os juízes da Suprema Corte de Justiça
dos Estados Unidos têm nas mãos, há mais de mês, a batata quente de
resolver se uma pequena empresa, chamada Aereo,
pode ou não veicular pela internet a programação das grandes redes de
TV. A decisão afetará todo o bilionário negócio da computação em nuvem,
segmento que mobiliza a atenção de todas as grandes empresas da internet
como Google, Facebook, Microsoft, Cisco, Apple, Samsung e Oracle.
Outras duas batalhas legais nos Estados Unidos mostram que chegou ao fim a coexistência pacífica entre empresas de estrutura analógica e as de estrutura digital. O site AirBnB ,
o grande sucesso em matéria de aluguéis de curta temporada via
internet, está sendo processado pelas imobiliárias e pela prefeitura de
Nova York por ignorar uma obscura lei que impede locações com prazo
inferior a 30 dias. E o site Uber,
que provocou um terremoto entre os taxistas norte-americanos, está
sendo investigado a pedido dos sindicatos inconformados por perderem a
exclusividade no atendimento de clientes.
Daqui para frente teremos cada vez mais notícias sobre conflitos de
interesses sendo encaminhados para os tribunais ou para a diplomacia da
força. É o sinal mais evidente de que a internet está mexendo para valer nas estruturas políticas,
sociais, econômicas e militares do mundo em que vivemos. Os interesses
afetados pela mudança e pela inovação reagem usando as instituições e
leis que ainda não foram adaptadas aos novos tempos.
Os conflitos em torno da internet estão embaralhando os parâmetros
políticos convencionais. Personalidades e empresas consideradas antes
como progressistas passaram a resistir à inovação quando seus interesses
foram afetados; enquanto outras, tradicionalmente conservadoras,
apostam no digital por conta da expectativa de lucros. Estamos realmente
no limiar de uma era de dúvidas e perplexidades muito mais profundas do que as previstas por John Kenneth Galbraith no seu famoso livro, a Era da Incerteza.
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